Seria uma estrela que nasceu junto com o Sol? Da mesma "mãe" (nebulosa)? Na-na-ni-na-não!
Quando falamos em gêmea solar, não nos referimos a estrelas nascidas com o Sol, nem mesmo estrelas com mesma idade do Sol. Não se trata de aniversário.
Em astronomia, as estrelas nascidas da mesma nuvem de gás e poeira não são chamadas de gêmeas e sim apenas de irmãs. Do termo em inglês "solar siblings". Parece confuso, mas vocês vão entender melhor pra frente.
Mas então O QUE É gêmea solar?
Uma analogia bastante prática: seria o mesmo que olhar numa multidão de pessoas e procurar sósias idênticos seus. Pessoas que não tem aparentemente nenhum parentesco com você mas se parecem muito! E quiçá, até poderiam se passar como seus clones.
Não necessariamente este seu sósia precisa ter a idade parecida com a sua.
Ele poderia ser mais novo e parecer que sua foto da infância tomou vida e tá andando por aí. Ou mais velho, como se aquelas projeções feitas por softwares "como você vai ser aos 80 anos" estivessem vivas.
Então como a gente determina se uma estrela é ou não gêmea do Sol?
Temos alguns parâmetros que nos dão pistas muito boas: um dos principais é a massa da estrela. E existe um intervalo que pode ser tolerado para essa busca, por exemplo, ela ter 5% a mais ou a menos que o Sol.
Outro parâmetro pra dizer se uma estrela é gêmea solar ou não, é a metalicidade dela (ou seja, quanto ela tem de elementos que não sejam hidrogênio e hélio em sua composição). Se ela tiver a mesma metalicidade (dentro de uma tolerância) que o Sol, já fica ainda mais interessante.
Existem outras considerações:
Queremos que ela não seja binária (ou bem distante) pra que a luz das estrelas não se misturem (chamamos de binária espectroscópica).
Queremos que a cor dela também seja parecida. E isso leva a outros parâmetros que podem ser conectados entre si.
Como podemos saber essas coisas, assim, de forma prática?
Basicamente comparando os espectros (luz) dessas estrelas com o espectro do Sol.
Acho que precisamos fazer uma thread sobre espectroscopia (isso é muito legal, acreditem) e pode ser o próximo tema.
Quando visto de cima, o espectro mostra essas linhas escuras e quando essas linhas são vistas de "lado" temos essa curva que parece um eletrocardiograma, haha
Parece algo esquisito e sem sentido, mas eu juro que É UMA DAS COISAS MAIS SENSACIONAIS JÁ DESCOBERTAS PELO SER HUMANO.
Pra nossa análise das estrelas candidatas a gêmeas, usamos os espectros delas e comparamos com o do nosso Sol.
Buscamos diferenças e semelhanças, olhando pra diversas partes deles: Os que nossos olhos humanos enxergam e os que não enxergamos, como UV, infravermelho e além.
Buscamos essas semelhanças de diversas formas:
- Inclinação do contínuo (nos fala sobre temperatura)
- Presença, ausência ou intensidade das linhas dos elementos químicos
- Geometria dessas linhas (pode nos dar pista sobre idade, atividade magnética e até exoplanetas!)
Nessa imagem vocês podem ver como essa comparação (visualmente) é feita. Esse é um print da minha tela de trabalho.
Cada espectro abaixo é de uma candidata a gêmea solar, real. Vejam como se parecem!
Mas a análise completa é beeem mais complexa que isso.
Beleza... e agora... pra que serve isso tudo?
Primeiramente pra conhecer melhor nosso próprio Sol. Por ele estar muito perto de nós e ser observado como um objeto extenso (e não pontual como uma outra estrela) temos certa dificuldade em conhecer alguns parâmetros de cores dele.
Isso influencia, inclusive, análises de objetos do sistema solar (como luas, asteroides, cometas) quando é necessário subtrair a contribuição da luz solar refletida neles. É mais difícil subtrair um "número" que você não sabe ~exatamente qual é.
Estudar gêmeas solares também é importante pra conhecer o passado e o futuro do nosso Sol. Se lembra quando falei da mini sósia da Ana Paula Arósio?
Hoje já conhecemos algumas gêmeas solares mais velhas que o Sol e podemos ter uma ideia de como ele vai evoluir.
Conhecemos também algumas gêmeas mais novas que o Sol e podemos ter ideia do passado do nosso sistema solar e da história do nosso planeta
Outra aplicação do estudo de gêmeas solares é na área de exoplanetas.
Pela análise de gêmeas podemos inferir existência de planetas em suas órbitas e futuramente, quem sabe, encontrar gêmeas *terrestres* orbitando estas gêmeas solares.
Seria a tão buscada Terra 2.0.
Tem também o interesse astrobiológico: Estimando o Sol do passado e o Sol do futuro e podendo analisar sistemas exoplanetários, chegamos a um ponto interessante: a busca por respostas sobre a nossa própria existência, antes, agora e depois.
Conhecemos a zona de habitabilidade do Sol e isso nos ajuda a ter uma boa ideia de como seriam as zonas habitáveis de gêmeas solares, tanto as mais jovens quanto mais evoluídas. Isso nos possibilita também entender mais sobre o surgimento da vida fora do nosso planeta.
A história de descoberta das gêmeas solares também é muito interessante! Foi uma busca de décadas!
Em 1997, o astrônomo brasileiro Gustavo Porto de Mello, professor do @ValongoUFRJ descobriu a primeira gêmea solar da história. É a estrela 18 Sco.
Na época ele publicou um artigo fantástico e que pode ser lido (em inglês) no link: goo.gl/u9eCAG
A estrela 18 Sco permanece até o dia de hoje como a melhor gêmea solar conhecida. E ela é o meu principal objeto de estudo atual (resumo: goo.gl/6mKv6m)
O Brasil tem grande tradição em análise de gêmeas solares. Além do prof. Gustavo Porto de Mello (OV-UFRJ), temos outros nomes de peso na área, como o prof. @DrJorgeMelendez (IAG-USP) e o prof. José Dias do Nascimento @AstrofisicaUFRN (UFRN e Harvard) que têm trabalhos incríveis!
Tenho visto que algumas pessoas que estão comentando sobre os cortes na ciência brasileira aparentemente não sabem como funcionam as bolsas de pós-graduação.
Se você tiver com boa vontade de entender, vem comigo nessa thread e não xinguem os amiguinhos.